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Os novos caminhos das mulheres Mẽbengôkre-Xikrin - TUCUM
Os novos caminhos das mulheres Mẽbengôkre-Xikrin - TUCUM

Artesãs Xikrin. Da esquerda para direita: Ngrengri, Irekoti, Kokoró, Kokonã, Ngreimê, Ngrendjãm, Bekwynhká, Ngreikakô, Ngreipron. Foto: Rochelle Foltran/ABEX.

Os novos caminhos das mulheres Mẽbengôkre-Xikrin

Projetos liderados pelas menire voltados ao Artesanato e ao Óleo de Babaçu reforçam o protagonismo das mulheres Mebêngokrê-Xikrin do Território Indígena Trincheira Bacajá (PA) na construção de um caminho de autonomia, valorização da cultura e fortalecimento de suas comunidades.

– por Júlia Sá Earp*

A Tucum possui um longo histórico de envolvimento, trabalho e luta junto às mulheres (menire, na língua Kayapó) indígenas, especialmente entre as Mebêngôkre. Por isso, é com muito entusiasmo e alegria que acompanhamos cada iniciativa que presenciamos florir entre estas guerreiras criativas e artistas sabedoras de conhecimentos tão sofisticados quanto ancestrais. Interessadas em saber mais sobre os projetos liderados e desenvolvidos prioritariamente por mulheres do povo Xikrin do TI Bacajá, perguntamos diretamente para elas e para outras parceiras associadas aos programas de desenvolvimento como vem sendo conceber e tocar projetos com foco na autonomia feminina dentro das aldeias.

O resultado dessa conversa foi um aprendizado potente sobre o fortalecimento das mulheres Xikrin. Desde a estruturação dos planos de ação às camadas sensíveis, políticas, econômicas e sociais que se revelaram e continuam a se desdobrar ao longo do processo. Os resultados que afloram destas parcerias entre mulheres e organizações, mostrando um caminho construído através de uma raiz nutrida e um tronco cada vez mais forte que vem florir com produtos diversos e belos, diretamente da floresta em pé, a gente conta em breve, no próximo post sobre as Xikrin.

“Não vamos desistir desse trabalho”. Nhgreimê Xikrin. Foto: Rochelle Foltran/ABEX


“Futuro”. Essa é uma das palavras que Nhgreimê, artesã Xikrin da aldeia Prindjãm (PA), menciona sobre os novos fazeres envolvidos nos projetos das mulheres. “Nós vamos continuar. Não vamos desistir desse trabalho. Esse trabalho é importante para nós porque as menire vão crescendo e vão aprendendo também”. A importância de projetos como possibilidades de assegurar a floresta em pé através de seus conhecimentos tradicionais e fazeres coletivos, mostra como a cosmovisão destas mulheres traduz uma sabedoria ancestral a uma visão de re-existência e a continuidade pela via do saber-fazer.

Além das artesãs, conversamos com a bióloga Luciana Lima, da The Nature Conservancy (TNC), Instituição que atua na implementação do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) – Aben Kaben Marimei, e em parceria com a FUNAI executa ações de fortalecimento da TI Bacajá. Neste encontro, a antropóloga Rochelle Foltram e Sâmya Brazão, assessoras da ABEX – Associação Bebô Xikrin do Bacajá, também trouxeram observações muito interessantes sobre a gestão das cadeias econômicas do território e os impactos positivos na vida das mulheres e nas aldeias Xikrin. Essa articulação conta também com outras associações parceiras, como a Rede de Cantinas da Terra do Meio.

Luciana, Rochelle e Sâmya contaram um pouco sobre a visão desta rede de parceiros que atuam na implementação da Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas na Amazônia Oriental (IGATI) sobre os desdobramentos destes projetos desde o começo da atual gestão, em que a presença feminina se fez marcante e as iniciativas envolvendo as mulheres indígenas têm obtido resultados de extrema relevância social, dentro e fora das aldeias.

De acordo com Luciana, tanto o projeto de artesanato quanto o do babaçu, ambos exclusivamente femininos, tiveram espaço pela confluência de fatores cruciais: em primeiro lugar, a entrada de novas profissionais mulheres na FUNAI de Altamira em 2010, ocupando os cargos de coordenação e gestão. E em segundo lugar, as manifestações de resistência diante de ações da Hidrelétrica de Belo Monte nas quais os homens, em sua maioria, deslocavam-se para as cidades enquanto as mulheres permaneciam nas aldeias. Isto tornou possível um movimento de aproximação entre coordenadoras indigenistas e mulheres indígenas, vinculando a proximidade feminina à vontade e à necessidade imanente das mulheres Kayapó iniciarem seus próprios projetos. Além disso, a presença de antropólogas mulheres em campo como Clarice Cohn e suas orientandas Stéphanie Tselouiko e Thaís Mantovanelli também contribuiu neste processo, atuando como elos teóricos e femininos nesta frente de pesquisa e trabalho.

Menires Xikrin; da esq. para dir.: Ngrendjãm, Bekwynhká, Ngreimê, Kokoró, Irekoti e Ngrempron



Entre 2013 e 2014 foi iniciada a construção da roça coletiva, da casa de farinha, da casa de costura, o apoio ao babaçu e outros projetos que envolviam as mulheres do início ao fim, com foco na autonomia e na visibilidade das Xikrin. As “Assembleias das menires” e os “Intercâmbios” foram de extrema importância nesse processo e surgiram como ferramentas políticas e sociais para a construção dos projetos. Os “intercâmbios” possibilitaram a visita de outras parentes e o conhecimento de outras iniciativas e lideranças femininas indígenas, em que puderam reconhecer suas próprias potências na identificação com outras mulheres, como no caso da experiência com a cacique Creuza do Oiapoque.

As “Assembleias das mulheres” inicialmente tinham a intenção de ser um espaço de troca, compreensão e aprendizado entre elas mesmas, aprendendo a partir do próprio fazer de seus projetos, inventando maneiras de realizar a gestão e identificação do dinheiro (piokaprin, na língua indígena) e a lidar com o mundo dos não-indígenas perante a lógicas de finanças.


A realização das assembleias dentro da Casa do Guerreiro (ngàb), espaço estritamente masculino e político, também é sublinhada por Luciana através de outros pontos de destaque como a motivação de uma maior participação e complementaridade feminina no centro da aldeia. Para além dos rituais e pinturas, as mulheres passaram a atuar em outras esferas das relações comuns neste espaço como nos diálogos e projetos com atores externos (Organizações, FUNAI, executoras do PBA- CI). Impulsionando a transformação e a influência sigilosa que invisibilizava as mulheres dentro de suas casas, espaço feminino e doméstico, em vozes que somam em assuntos de interesse comum para o fortalecimento das comunidades em um período de muitas perdas demográficas para os povos indígenas.

Por mais que as relações de gênero não sejam tão simples de serem espelhadas em outras sociedades, Luciana menciona essa transformação ressaltando que o que está em jogo é a “autovalorização da potência dessas mulheres em específico”, que perpassa pela compreensão da força e da resistência cultural que reside nos saberes e fazeres femininos. As mulheres Mẽbengôkre Xikrin agora falam de dentro da casa do guerreiro, são sujeitos ativos nas tomadas de decisões. E a resistência masculina e o discurso negativo, em que em algumas situações negava a participação de suas companheiras em encontros e reuniões, atualmente vêm sendo ressignificados para um apoio e reconhecimento do trabalho das menire.

Com esse propósito, em 2014 o Projeto Menire deu origem a uma primeira publicação : “Terra Indígena Trincheira-Bacajá: Menire Nhõ Kudràjà Mextere – A força e a beleza do conhecimento das Mulheres Xikrin”, produzida através de registros fotográficos feitos pelas mulheres em que seus olhares dirigiram o conteúdo para o que queriam ressaltar de sua cultura. Assim, os projetos voltados e protagonizados exclusivamente para e pelas mulheres ganham cada vez mais força por meio de caminhos sustentáveis de fortalecimento e visibilidade da cultura, “do Kukradjá mejx e do kukradjá tojx” (que pode ser traduzido como a “cultura” forte e bela do povo mebengôkré), conectando as invenções femininas aos interesses e demandas internas, criando produtos que não apenas sirvam para os brancos conhecerem e reconhecerem a beleza cultural destes povos mas também para elas reconhecerem a si próprias nos potenciais do trabalho coletivo que fortalecem a cultura e o território.

Ngrempron Xikrin. Foto: Rochelle Forlam/ABEX.




*Júlia Sá Earp é Designer, ceramista, doutoranda em Antropologia pelo IFCS-UFRJ e mestra em Arquitetura e Urbanismo pela PUC/RJ. Colaboradora da Tucum em diferentes frentes, nesta entrevista traz seu olhar que entrecruza os referenciais teóricos e os aprendizados de suas vivências indigenistas. Desenvolve pesquisa acadêmica sobre a produção estética-política das mulheres Mẽbêngôkre-Kayapó.

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