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Observatório Tucum
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Foto: Ueslei Mareclino

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A quem interessa o apagamento?

Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Na última semana, o Brasil testemunhou eventos que evidenciam tanto os desafios quanto os avanços na luta por justiça socioambiental e reconhecimento dos povos originários. A aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, os ataques misóginos sofridos pela ministra Marina Silva e a concessão do título de Doutora Honoris Causa à ministra Sonia Guajajara pela UERJ são acontecimentos que, embora distintos, estão interligados por um fio condutor: a disputa por narrativas e espaços de poder.

PL da Devastação ameaça Terras Indígenas e Quilombolas

Protesto contra o marco temporal no Congresso - Metrópoles

Foto: Igo Estrela/Metrópoles

No dia 21 de maio, o Senado Federal aprovou, por 54 votos a 13, o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A proposta, que tramita no Congresso desde 2004, visa uniformizar os procedimentos para emissão de licenças ambientais em todo o país. Contudo, especialistas e organizações socioambientais alertam para os riscos de flexibilização excessiva, que pode comprometer a proteção de áreas sensíveis e os direitos de comunidades tradicionais.

Com a aprovação do chamado "PL da Devastação" (PL 364/19), o país assina mais uma página de retrocesso ao permitir a flexibilização do licenciamento ambiental. A medida afeta diretamente mais de 80% dos quilombos e 32% das Terras Indígenas do Brasil, territórios fundamentais não só para os povos que os habitam, mas para o equilíbrio ambiental de todo o planeta.

Garimpo ilegal na TI Yanomami em 2021 Christian Braga Greenpeace - Estudo mapeia desmatamento ao redor das terras indígenas para identificar as mais ameaçadas

Sobrevoo regista garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021 (Foto: Christian-Braga/Greenpeace)

A nova proposta libera grandes empreendimentos com impacto potencial,  como estradas, hidrelétricas, mineração e agronegócio, de passarem por análise criteriosa de órgãos ambientais. Na prática, abre-se caminho para que territórios protegidos sejam atravessados, degradados e destruídos, sem consulta prévia às comunidades afetadas, em desrespeito direto à Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Não se trata apenas de uma questão técnica ou burocrática: trata-se de um projeto político de apagamento. Quando se desmonta a estrutura de licenciamento ambiental, também se fragiliza o direito à vida dos povos originários, quilombolas, ribeirinhos e todos que vivem em relação direta e equilibrada com seus territórios. O que está em jogo é a própria possibilidade de um futuro.

Marina Silva e o machismo racializado no Congresso

Senador Marcos Rogério (PL-RO) disse na sessão que Marina Silva deveria 'se pôr no seu lugar' — Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Por que Marina Silva foi ao Senado?

Na mesma semana em que a votação do PL da Devastação avançava, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi desrespeitada publicamente por parlamentares enquanto tentava defender os argumentos técnicos e sociais contra o projeto. 

“Se ponha no teu lugar”, disse o senador Marcos Rogério (PL-RO). 

“A mulher merece respeito, a ministra, não”, disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM).

Ataques também partiram do senador Omar Aziz (PSD-AM), que interrompeu a ministra diversas vezes em sua resposta sobre o licenciamento da BR-319, que liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM), e a acusou de “atrapalhar o desenvolvimento do país”. 

Convidada da comissão, Marina teve o microfone desligado. Solicitou um minuto para resposta, o que só lhe foi garantido pelo senador Marcos Rogério, que presidia a sessão, após intervenção da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Mas foi novamente interrompida.

Marina é uma das vozes mais respeitadas no debate ambiental global, com décadas de luta, reconhecimento internacional e raízes fincadas na Amazônia, ocupa atualmente o cargo de Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil. Seu silenciamento no plenário representa o que muitas mulheres negras e indígenas enfrentam todos os dias em espaços de poder: o não-lugar, a tentativa de deslegitimação de suas falas, mesmo quando carregam argumentos sólidos, experiência e autoridade.

Da esquerda para a direita: Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Marina Silva, ministra do meio Ambiente e Mudanças Climáticas; e Joenia Wapichana, presidenta da FUNAI no ATL 2025

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Esse episódio não pode ser tratado como algo isolado. Ele compõe o mesmo cenário de um país que insiste em calar vozes dissidentes, especialmente quando essas vozes vêm das margens, das florestas, das aldeias, dos quilombos. A violência política de gênero e raça segue sendo estruturant, e inaceitável.

CCJ do Senado aprova suspensão de demarcações em SC: mais um ataque aos direitos indígenas

Protesto em Brasília, em 2017, pela celeridade na demarcação de terras no caso Raposa Serra do Sol, em Roraima

Foto: Sérgio Lima/Poder 360

No mesmo compasso de retrocessos, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou, no dia 29 de maio, o Projeto de Decreto Legislativo 717/2024, que suspende os efeitos da demarcação das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina. Essa medida representa uma ameaça direta aos povos Kaingang e Guarani Mbya, que habitam e preservam esses territórios há gerações.

A suspensão ignora critérios constitucionais e antropológicos consolidados, desrespeita decisões do STF e fragiliza ainda mais os direitos territoriais indígenas, que já enfrentam enorme pressão. Tratar a demarcação como moeda política ou ameaça jurídica é afrontar a dignidade dos povos originários e colocar em risco a proteção de biomas inteiros. Morro dos Cavalos é território Guarani. Toldo Imbu é território Kaingang. E esses territórios não estão à venda.

Sonia Guajajara recebe título de Doutora Honoris Causa pela UERJ

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Foto: Roberto Filho

Em contrapartida à tentativa de apagamento político, uma importante conquista foi celebrada: a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, recebeu da UERJ o título de Doutora Honoris Causa, em reconhecimento à sua trajetória de luta em defesa dos povos originários e da vida em sua plenitude.

A honraria concedida a Sonia é o reconhecimento da ciência dos povos indígenas, do conhecimento ancestral que segue vivo, pulsante, estratégico para pensar um país e um mundo que querem seguir existindo. Sonia Guajajara é mulher, indígena, liderança, ministra  e sua presença em espaços acadêmicos reforça o que sempre dissemos: não há saber legítimo sem a escuta dos povos originários.

Enquanto tentam nos empurrar para a invisibilidade política e ambiental, seguimos ocupando, fortalecendo e transformando. A honraria concedida à ministra é um marco na valorização dos conhecimentos tradicionais e na promoção da diversidade cultural e étnica no ambiente acadêmico, historicamente excludente

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